O M foi o primeiro menino da família até então só existiam duas meninas, a "inteligente" e a "mimada". O M tem desde bebé uma cara de menino que não deixa nada passar ao lado, mesmo ainda bem pequeno era-lhe dito "tens cá um ar de traquina!" e M é hoje realmente uma criança traquina. Não é mau, pelo contrário é bem amoroso mas quando tem em mente fazer alguma coisa, mesmo que não seja momento para isso, ele faz. Faz tudo para obter o que quer e brinquedos com ele não duram inteiros por muito tempo - o verdadeiro traquina da família.
No meu ano de estágio como professora estava bastante ansiosa e um pouco nervosa com o aproximar do inicio das aulas, uma semana antes da abertura oficial tive uma reunião com os outros professores da turma que eu iria acompanhar sozinha. A reunião foi terrível, sai de lá ainda mais nervosa, com medo de ser devorada com a turma que me tinha calhado na rifa. A reunião foi macabra... acreditem. A directora de turma começou a apresentar a turma dizendo coisas do género: a aluna nº1 é muito boa aluna mas "respondona"; a número 2 nunca trabalha é um "caso perdido"; o nº3 é um "coitadinho", pai na prisão e a mãe alcoólica; o nº 4 muita atenção não dar confiança porque ele é "terrível";
Pois, podem não acreditar, mas foi mesmo assim... Eu lamentei o número de repetentes e alunos com dificuldades, mesmo antes de os conhecer, eles já eram um problema para mim, eram todos rotulados. Na altura fiquei muito em baixo, mas hoje fico chocada com a atitude daquela professora, com a atitude de muitos adultos, pois colocar rótulos não é assim tão raro, acontece na escola e também em casa, em família.
Tenho muito para aprender mas ao analisar estas situações tornei-me mais atenta e olho de forma mais individualizada para cada criança, antes de ser influenciada por qualquer rótulo que esteja já vinculado ou possa entretanto surgir.
"Trapalhona", "traquina", "mimada" para o carácter ou "trinca-espinhas", "molengão" para a condição física são rótulos que podem de certa forma condicionar o comportamento e trazer consequências futuras. O desenvolvimento emocional da criança pressupõe uma série de etapas, onde a valorização de seu eu é determinante para o sucesso das suas relações sociais.
Uma criança que é desvalorizada, por estar sujeita a determinado rótulo negativo, terá certamente mais dificuldades em ultrapassar situações de convívio.
Muitas doenças do foro psicológico têm origem nos comportamentos de pais e educadores. Colocar rótulos é um deles, estes vinculam complexos de inferioridade ou de superioridade e crescem com as crianças.
A criança que é "traquinas", habitua-se a sê-lo. Se todos a classificam como tal, ela interioriza essa característica como sua, correspondendo às expectativas dos que a rodeiam. Deixa de confiar na suas capacidades, de corrigir e de ultrapassar as dificuldades. Se a distinguem pela negativa, a criança sofre de incompetência e pode mesmo sentir-se sinónimo de fracasso.
No caso dos pais que tratam os filhos como uns "pequenos génios" estão a transmitir-lhes expectativas que deviam guardar para si. Esta criança crescerá a pensar que é o melhor e não saberá lidar com a frustração e o insucesso quando este surgir.
Os rótulos colocados desde criança passam em muitos dos casos a fazer parte do intimo do individuo e vive com ele. Colocar rótulos é fácil difícil é retirá-los.
Assim da próxima vez que estiver próximo a colocar ou reforçar um rótulo pense duas vezes antes de o fazer...
6 comentários:
ESpeCiaLmente GaSPaS @ olá, não consegui publicar o teu comentário normalmente, deu erro não sei porquê, mas aqui vai ele junto com a resposta:
COMENTÁRIO:
Agora fiquei confusa...
"No caso dos pais que tratam os filhos como uns "pequenos génios" estão a transmitir-lhes expectativas que deviam guardar para si. Esta criança crescerá a pensar que é o melhor e não saberá lidar com a frustração e o insucesso quando este surgir."
Mas devemos valoriza-los qd fazem algo bem feito, certo? E repreende-los qd fazem algo mal?
Mas sem nunca rotular...
Mas qd dizemos (por exemplo) "n" vezes, porque estamos a incentivar: És muito inteligente... parabéns pelas boas notas!
Acabamos por rotular como inteligente... e ir ao encontro do tal pequeno génio... não?
Não sei se fiz entender bem a minha duvida...
RESPOSTA:
É claro que devemos sempre valorizar o trabalho e esforço dos nossos filhos, dar-lhe os parabéns por um bom resultado mas dizer-lhe que é muito inteligente tem as suas restrições. Temos que ter em atenção se não estamos a criar nele essa imagem de forma demasiado vinculada. Se não estamos, como dizes, a criar o rótulo de "géniozinho".
Vou tentar explicar-me melhor com um exemplo:
O meu filho é extremamente bom aluno a matemática, eu de orgulho digo-lhe constantemente que ele é muito inteligente. Faço isso inclusive em frente a amigos da família e aos irmãos. O meu filho fica vaidoso, para ele a matemática é que é importante, pois é naquilo que se sai bem e vai de encontro ás minhas expectativas. A português, por exemplo, ele não tira tão boas notas, mas isso não é importante, na cabeça dele a matemática é o topo. Desvaloriza assim aquilo que ele pode eventualmente fracassar. Por outro lado se um dia por qualquer motivo não tirar 100% a matemática pode se sentir frustrado, pode até não querer mostrar-me que falhou. Porque ele é inteligente, ele é o génio, não pode falhar. Mais uma vez ele não saberá lidar com o fracasso. E este rótulo vai mais longe, não fica por este filho, os outros filhos poderão sentir-se inferiorizados. Conheço situações de crianças que choram porque tiraram 95% e não 100%. Crianças que se sentem desvalorizadas porque não são inteligentes como o irmão que tanto orgulho dá aos pais. Tudo isto vai condicionar o desenvolvimento intelectual e social da criança rótulada, e muitas vezes até daquelas que a rodeiam.
Se estamos a rótular ou não os nossos filhos parte também da forma como lidamos com a situação, na minha opinião, devemos sim valorizar o seu trabalho, incentivando-o, motivando-o com frases do tipo "bom trabalho", "estiveste muito bem", "parabéns" mas não dizer-lhe: és muito inteligente, este trás uma denotação de superioridade, de "és melhor que os outros". Neste caso, não estamos a valorizar o esforço mas somente resultado.
Espero ter-me feito entender :)
Sim.
Valorizar sem exageros. Incentivar. Se não correr bem uma vez, para a próxima correrá melhor.
Interessante isso do irmão, nem tinha pensado nisso... talvez por não ter irmãos.
Como é dificil educar... ufa!
;)
Oi!
Obrigada por visitar e comentar! Vim te conhecer também e gostei pra caramba do teu jeito de escrever!
Já estou seguindo!
Beijo gaúcho! Feliz dia da criança pra ti e tua turma!
Ingrid
Olá,
te acompanho há um tempo, mas acho que nunca comentei.
Sobre o post: vivi isso na prática, mas por estarmos numa escola cheia de profissionais preparados fomos alertados a tempo. Minha filha de quatro anos se recusava a experimentar novas atividades com medo de errar. Conversando percebemos que tínhamos a colocado numa posição de perfeição que estava sendo prejudicial. Conversamos muito em casa, mudamos várias atitudes nossas e a professora fez um trabalho fantástico. Ela já melhorou muito... Nós tbm!
Abraços
Oi Sofia! Muito obrigada por sua visita lá no blog!
Eu também concordo que rótulos devem ser evitados a todo custo. Eu até hoje tenho dificuldade em lidar com alguns rótulos que recebi desde minha infância. Com meu filho, procuro sempre chamar a atenção pras ações e atitudes dele, não ele.
E parabens pelo seu blog, é bastante informativo!
Abraços,
Lu
Já havia proibido as pessoas ao meu redor de rotularem negativamente os meus filhos de "gordinho" ou "arteiro", mas nunca havia pensado que o rótulo positivo, otimista demais, também pode ter consequências desagradáveis.
Obrigada pela visita, volte sempre!
Bj
Adri
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